Violência crescente em Angra dos Reis obriga moradores a abandonarem suas casas em busca de paz

Há cerca de um ano, X. resolveu deixar para trás a vida em Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio. Fechou a casa, própria, para tentar a vida numa cidade vizinha, onde atualmente paga aluguel. Com a filha e o marido, fugiu da violência cada vez maior no balneário que sempre foi um dos principais destinos turísticos do estado. A expansão do tráfico de drogas e as consequentes disputas entre quadrilhas nos últimos anos no município têm feito histórias como as de X. se tornarem cada vez mais frequentes no cotidiano de quem vive na região.

O aumento da presença do crime organizado em Angra fica claro com a análise dos números de prisões e apreensões de adolescentes por tráfico e associação para o tráfico na cidade. Em 2008, 43 pessoas foram capturadas por esses delitos, contra 601 em todo o ano passado. O número de 2018 é 14 vezes maior do que o registrado há dez anos.

X. morava em uma comunidade em que traficantes viviam constantemente em confronto com rivais.

— Fizemos o que podíamos para fugir de um lugar onde já não temos mais segurança. Até ir ao mercado no bairro, que era uma coisa tranquila, hoje não é mais — lamenta a mulher, que prefere o anonimato.

A maior presença do tráfico na cidade acaba se refletindo, também, nos índices de outros crimes. Segundo o delegado Celso Gustavo, titular da 166ª DP (Angra dos Reis), os criminosos acabam praticando outros delitos, como roubos e homicídios. Além disso, há reflexos nas mortes em confronto com a polícia.

— A grande maioria dos crimes, principalmente os de letalidade violenta, decorrem do tráfico. Os confrontos entre eles geram morte e naturalmente vai ter mortes em decorrência de intervenção da polícia. Há, ainda, as situações em que eles roubam veículo só para transitar de uma favela para outra — explica o delegado.

O morador Y. gostaria de deixar Angra, assim como já fizeram amigos e familiares. O trabalho fixo, no entanto, acaba fazendo com que ele permaneça na cidade, onde mora há 13 anos.

— Minha vontade é sair daqui. Está muito difícil criar um filho nesse lugar. A gente sabe de várias histórias de pessoas que estão largando tudo para fugir dessa situação. Fora aquelas expulsas pelo tráfico de suas casas. A situação aqui saiu do controle. Nós perdemos nosso direito de ir e vir. Há algumas ruas da cidade onde não podemos circular de jeito nenhum. Até barricada tem. Não havia isso aqui. Há uns anos, eu andava por todos esses morros de Angra. Hoje, isso é impensável. — lamenta ele, também sob a condição de não ser identificado.

Reflexo nas áreas hoteleira e imobiliária

A violência em Angra dos Reis já impacta o mercado imobiliário da cidade. Um levantamento feito pelo Sindicato da Habitação (Secovi-Rio) revela que o preço das casas de rua diminuiu 32% este ano em comparação com 2016. O preço do metro quadrado caiu de R$ 7.723 para R$ 5.251.

— A situação vem impactando diretamente o mercado em relação à venda e também locação. A procura caiu muito. A crise, por si só, já impactou (o mercado) e a violência veio como um xeque-mate. Essa questão da guerra dos traficantes está afetando demais. As pessoas não se sentem seguras nem de passar pela BR-101 — observou Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi.

Os impactos no turismo também já são claros. De acordo com o presidente da Fundação de Turismo de Angra dos Reis, João Willy Seixas Peixoto, quando há algum episódio de explosão da violência, como as guerras entre quadrilhas, a taxa de cancelamento das reservas de turistas varia de 20 a 25%.

As favelas de Angra dos Reis são disputadas por duas facções criminosas do Rio, que brigam pelo controle da venda de drogas. As comunidades do Areal, Belém e Sapinhatuba 1 e 2 são as mais disputadas pelas quadrilhas. Na última sexta-feira, moradores da Lambicada fizeram um protesto na BR-101 contra operação da PM na favela.

Polêmica no céu da cidade

O governador Wilson Witzel esteve em Angra no último dia 4. Na ocasião, prometeu combater o tráfico de drogas e sobrevoou a cidade em um dos helicópteros da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Num voo que o governador afirmou ser de reconhecimento da área, um policial fez disparos contra tendas de orações no Monte do Campo Belo. Moradores afirmam que o local é conhecido por todos como uma rota de peregrinos. No momento dos disparos, o local estava vazio.

Deputados estaduais pediram ao Ministério Público que investigue o sobrevoo. Segundo o MP, a solicitação foi encaminhada à Procuradoria-Geral da República, ‘‘instituição que detém atribuição para apurar os fatos imputados ao governador do estado na área criminal, em razão do foro por prerrogativa junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)’’.

 

FONTE: Jornal Extra

Gostou do conteúdo? Compartilhe!