A prefeitura estuda a ideia de licenciar apart-hotéis com regras bem mais flexíveis do que as atuais na atual legislação urbanística do município. Oficialmente, o Executivo tem como meta permitir uma mudança no uso de hotéis que, construídos para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, fecharam as portas ou sofrem com a baixa ocupação. Especialistas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, observam que, se for aprovado, o projeto não só permitirá que esses empreendimentos virem residenciais como dará margem para que qualquer hotel ou motel, independentemente da data de inauguração, ganhe outro perfil.
Os empreendimentos não teriam que respeitar as regras de gabarito e de oferta de vagas na garagem. Embora varie conforme a região, a legislação que disciplina a construção de hotéis é mais liberal que a referente aos imóveis residenciais – o gabarito, no primeiro caso, quase sempre é maior do que o permitido no bairro. A ideia foi apresentada em reuniões recentes do Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur), órgão da prefeitura que conta com integrantes da sociedade civil. Técnicos da Secretaria de Urbanismo já apresentaram ao Compur duas minutas de projetos, que precisam ser aprovados pela Câmara Municipal.
Nos documentos, a palavra “apart-hotel” não é mencionada. Porém, segundo o projeto, a transformação dos imóveis é possível, e seria autorizada desde que o proprietário concordasse em pagar uma espécie de taxa de regularização. A prefeitura calcularia o valor de acordo com as dimensões do prédio, caso o empreendimento tenha gabarito superior ao autorizado para a região.
– Essa proposta pode fazer surgir apartamentos com área inferior a 25 metros quadrados, o mínimo permitido pelo Código de Obras aprovado no atual governo – observou a arquiteta Rose Compans, consultora de urbanismo da Federação das Associações de Moradores do Rio (FAM-Rio).
As minutas ainda preveem que um hotel pode virar um prédio comercial ou ter uso misto: uma parte do imóvel continuaria com quartos para hóspedes; a outra ficaria com unidades residenciais.
RISCO DE ADENSAMENTO
Representante da FAM-Rio no Compur e ex-procuradora-geral do município, Sônia Rabello disse que a prefeitura não foi transparente em relação ao impacto da proposta para a cidade:
– Os fundamentos são os mesmos da “lei dos aparts”, mas a prefeitura não apresentou relatórios que indiquem quais imóveis têm interesse de mudar de uso. Também não abordou o impacto que isso traria para a região, incluindo a diferença de gabarito.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH-RJ), Alfredo Lopes, disse que não partiu da entidade a iniciativa de propor a mudança. Segundo ele, redes tradicionais do setor não têm vontade de alterar o perfil de seus negócios. Lopes acrescentou que o interesse em mudar a lei seria principalmente de construtoras “que decidiram investir em hotéis financiados por um mecanismo apelidado de ‘condomínio-hotel’: empreendimentos viabilizados com vários sócios, que compram cotas para investimento”. Ele ressalta que o Rio precisa é de um calendário sustentável de eventos, que garanta a ocupação da rede hoteleira o ano inteiro. Além disso, sugere que sejam cobrados impostos de aplicativos de hospedagem (como o Airbnb).
– Em junho de 2018, a taxa de ocupação dos hotéis chegou ao seu pior índice, 46% – contou Lopes. – Permitir a transformação dos prédios em aparts pode adensar os bairros e prejudicar até mesmo o setor hoteleiro.
O mercado já se movimenta na expectativa de mudança. Dono da incorporadora Bait, Carlos Henrique Blecher disse que tem sondado proprietários de hotéis para convertê-los em residenciais com serviços. Ele argumenta que o cenário atual é favorável aos aparts.
– A demanda do mercado é por unidades menores, mas com oferta de serviços de qualidade. A questão do adensamento é discutível. Nova York, Paris e Londres são bem mais adensadas do que o Rio – ponderou Blecher.
QUINZE FECHARAM
Em nota, a prefeitura confirmou que estuda mudanças na legislação hoteleira. Questionada sobre o impacto urbanístico de uma eventual conversão de hotéis com gabarito muito acima do permitido em áreas residenciais, frisou que os estudos estão em desenvolvimento. “O foco da proposta não foi apenas a transformação de uso. Um dos principais objetivos seria permitir a finalização do processo de licenciamento das obras dos hotéis não concluídos (sem “habite-se” ou aceitação das obras) e a possibilidade de subsistência desta atividade econômica”, afirma o município, sem prever quando o texto vai para a análise de vereadores.
Em 2010, incentivos foram concedidos para atender a uma demanda do Comitê Olímpico Internacional (COI). A instituição exigia que pelo menos 7 mil quartos extras fossem abertos, mas a prefeitura do Rio acabou licenciando 94 projetos com um total de 16.780 unidades – 13 hotéis não chegaram a sair do papel. Na época, o município autorizou edificações até mesmo em ruas de bairros em que não eram mais permitidos empreendimentos hoteleiros, como Flamengo, Copacabana, Guaratiba, Realengo, Barra, Itanhangá, Jacarepaguá, Joá e São Conrado. Desde 2016, porém, 15 hotéis fecharam as portas na cidade, incluindo o Mercure Barra e o Ibis Porto Atlântico, no Centro.
JUSTIÇA DERRUBOU PROJETO ANTERIOR
– Projetos de apart-hotel são motivo de controvérsia na cidade. Em 2002, a Justiça julgou inconstitucional a Lei 41/1999, de iniciativa do então prefeito Luiz Paulo Conde, que disciplinava a construção dos aparts. Um dos pontos que levou ao resultado desfavorável foi o fato de esses projetos não respeitarem as normas urbanísticas em vigor nos bairros, provocando adensamento e problemas no trânsito.
– Na época, havia uma espécie de febre por esse tipo de projeto e muitos foram construídos em ruas internas da Zona Sul e da Barra. Pela legislação atual, só são permitidos novos aparts no Centro e na Zona Portuária, em uma tentativa de estimular o uso residencial nessas regiões.
Pela proposta em discussão na prefeitura, até projetos que foram embargados porque os responsáveis construíram andares acima do permitido deveriam ser legalizados. Entre os empreendimentos que podem receber autorização para virar aparts estão os tradicionais hotéis Nacional e Intercontinental, em São Conrado. Eles são citados na segunda proposta apresentada no Compur, na quinta-feira passada, que trata de iniciativas para estimular a ocupação de imóveis tombados. Ao mencionar os hotéis, técnicos da prefeitura explicaram que a ideia é permitir a subdivisão das edificações “em unidades hoteleiras ou unidades residenciais independentes”.
– Com suítes que medem de 33 a 99 metros quadrados (fora a presidencial, que tem 231), o Nacional, projetado por Oscar Niemeyer, reabriu na semana passada. Fechou em 1995, depois da falência do Grupo Interunion, e reabriu em 2016, por apenas 15 meses. Os atuais donos informaram que o interesse é manter o imóvel como hotel.
FONTE: O Globo