Das fazendas de cafés à valorização imobiliária

A ocupação de Botafogo e seu desenvolvimento como bairro sempre foram um tanto polêmicos. Começou quando a Corte concedeu uma extensa área a um militar português por serviços prestados e, mais tarde, um bispo corrupto se apoderou das terras. A enorme floresta deu início a fazendas de café no início do século XIX, as quais foram divididas, surgindo assim os cortiços.

– Com a abolição da escravidão, os investidores precisaram de novas formas de ganhar dinheiro; então, eles começaram a lotear essas fazendas em terrenos menores, construir ruas, o que atraiu a população – diz Antonio Augusto Brito, referindo-se ao surgimento dos cortiços. -O tipo de moradia tinha muitos problemas de saúde, devido às condições precárias de habitação e à quantidade massiva de moradores.

Entre as décadas de 1940 e 1950, Botafogo viveu outro momento semelhante com a explosão das quitinetes em prédios colossais. Agora, com a valorização do metro quadrado, o bairro passa por outro conflito: a volta dos miniapartamentos. É que ano passado foi aprovado um novo Código de Obras na cidade, que traz mais flexibilidade aos projetos, como os referentes a unidades a partir de 35 metros quadrados na Zona Sul.

Deu outro lado estão as construtoras que veem uma demanda para imóveis, principalmente por parte de jovens e novas configurações de família. São modelos com serviços completos na área comum, como lavanderia e coworking.

– Botafogo se transformou numa alternativa superadequada para uma geração de pessoas que quer comprar o primeiro imóvel. Tem tudo ao redor, clube, restaurante, serviço, escola, hospital e mobilidade urbana, e é central – diz Henrique Blecher, sócio e CEO da Bait Incorporadora, uma das construtoras que lançarão um novo empreendimento com unidades de dois e três quartos e também de quarto e sala no bairro.

Por outro lado, o sucesso do bairro e o interesse das incorporadoras são motivo de preocupação para moradores. Regina Chiaradia, presidente da Associação de Moradores e Amigos de Botafogo (Amab), acredita que as mudanças beneficiam apenas os empresários e vão acabar prejudicando os atuais moradores.

– Para nós, é péssimo. É um código que vem atender ao mercado, e não à população. Em um bairro já saturado como o nosso, a infraestrutura não dá conta – argumenta Regina. Para Brito, não são apenas a gama de serviços e as opções de lazer que atraem novos moradores. A valorização de imóveis em Botafogo, afirma, é resultado de um preço de metragem mais barato na comparação com outros bairros da Zona Sul.

– Botafogo tem uma característica urbana que é o limite de construção. A questão é que, assim como tem muito morador que reclama hoje do crescimento, escritor e jornalista autor de “Histórias de Botafogo” há quem goste das mudanças – diz.

O escritor reforça uma outra polêmica envolvendo as terras do bairro: o caso do Mirante do Pasmado. Nos anos de chumbo da ditadura, um “processo de higienização” dos governantes removeu à força os moradores da favela urbanizada que havia ali, o primeiro incêndio programado em uma comunidade de que se tem notícia, segundo ele, e que abriu espaço para a especulação imobiliária do bairro.

– A discussão do momento é o projeto de construção de um memorial em homenagem às vítimas do Holocausto, em forma de um monólito de 20 metros de altura. A homenagem é ótima, mas não ali, que é um local de preservação ambiental – defende.

 

FONTE: O Globo-Zona Sul

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