A decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, assegurando a permanência de um animal nas dependências de uma unidade autônoma, independentemente de haver expressa proibição na convenção do Condomínio, reabre a discussão de um tema até então pacificado na jurisprudência da própria Corte de Justiça.
A análise mais aprofundada da matéria passa ao largo da proibição de animais no condomínio, devendo, a nosso sentir, ater-se efetivamente a eficácia e a importância que a lei confere à convenção condominial, como instrumento normativo que disciplina e regula os direitos e as obrigações dos condôminos.
A aprovação da convenção condominial é ato resultante da vontade qualificada dos proprietários ou que assim o são equiparados por lei, como é o caso do promitente comprador ou cessionário, de sorte que o direito de propriedade é condição indispensável e comum a todos àqueles que participam da discussão, e da consequente aprovação das normas que irão disciplinar a vida coletiva.
A existência da convenção não decorre de ato de imposição ou de força de qualquer das partes que compõem a edificação, sendo resultante, ao contrário, do mais democrático e aberto debate de ideias e opiniões entre os próprios destinatários das normas, seja em assembleia ou qualquer outro fórum de discussão, e cuja validade demanda obrigatoriamente a obtenção de um consenso que represente no mínimo 2/3 das frações ideais do edifício.
Por tratar-se de ato normativo próprio e de interesse da coletividade, não existe uma regra única em relação a todas as questões que irão disciplinar a vida em comum, como ocorre, por exemplo, no caso dos animais, podendo a convenção tanto prever a sua aceitação, sem ou com algum tipo de restrição, ou simplesmente a sua a proibição.
É importante ressaltar que as normas são elaboradas no interesse coletivo e nos limites da autonomia da vontade dos proprietários que fazem parte do Condomínio, no exercício pleno e absoluto do direito de propriedade que é assegurado e garantido a todos os condôminos na Constituição Federal.
Outra característica que merece ser destacada é o caráter de impessoalidade da norma, como fonte inegável de garantia, segurança jurídica e consequente harmonia para todos os integrantes da coletividade condominial, inclusive para àqueles que vierem a dela fazer parte no futuro, seja na condição de proprietários ou mesmo locatários ou comodatários, por também estarem sujeitos ao seu cumprimento obrigatório.
O princípio fundamental que disciplina a relação jurídica do Condomínio e os condôminos é o da coletividade, ou da colegialidade, que sempre, desde que observada a forma e o quórum próprio de votação previsto em lei, e que não contrarie norma legal, irá prevalecer sobre o direito individual.
Nesse contexto, com a devida vênia de quem pensa em sentido contrário, ou até mesmo da decisão do STJ, entendemos que a convenção ou qualquer de suas cláusulas não podem ser desqualificadas sob o enfoque e aplicação da regra, de natureza abstrata e genérica, de haver ou não prejuízo a saúde, ao sossego, a segurança ou a higiene dos demais condôminos.
Como a lei expressamente conferiu aos condôminos/proprietários o direito de dispor sobre as regras de convivência do Condomínio, relativizando o direito de propriedade de todos os proprietários em prol da coletividade, desde que observada a forma, o quórum e a não haver contrariedade a dispositivo legal, não há como se afastar a higidez da convenção.
O direito de propriedade não é absoluto, podendo o seu titular sofrer restrições quanto a sua utilização não só de natureza legal, como se dá em não usá-lo de maneira nociva ou prejudicial à terceiros (direito de vizinhança), como também de natureza convencional, que é exatamente a sujeição do proprietário às normas aprovadas na convenção condominial.
Trata-se de matéria positivada em nossa legislação desde a Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, hoje parcialmente revogada pelo Código Civil, que passou a viger em 2003, mas que manteve praticamente inalterada a norma que dispõe sobre as condições de aprovação e a força de lei da convenção entre os condôminos/proprietários de imóveis no Condomínio Edilício.
O próprio Superior Tribunal de Justiça foi instado, em mais de uma oportunidade, a julgar diversas questões que tratavam da validade da cláusula convencional que impedia a permanência de animais nas unidades autônomas em Condomínio, e sempre, até então, manteve o entendimento da validade da convenção, como se extrai da seguinte ementa e citações:
“CIVIL. CONDOMINIO. ANIMAL EM APARTAMENTO.A PROPOSITO DE ANIMAL EM APARTAMENTO, DEVE PREVALECER O QUE OS CONDOMINOS AJUSTARAM NA CONVENÇÃO. EXISTENCIA NO CASO DE CLAUSULA EXPRESSA QUE NÃO ATRITA COM NENHUM DISPOSITIVO DE LEI. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.”(REsp 161.737/RJ, Rel. MIN. COSTA LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/4/1998, DJ de 8/6/1998, p. 103)
No mesmo sentido, os seguintes precedentes monocráticos: REsp 1.350.721/DF, Rel. o Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 10/4/2015; AREsp 304.799/MG, Rel. o Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe de 13/11/2014; REsp 1.280.609/MG, Rel. o Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJe de 7/11/2011; AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 676.852 – DF, Rel. o MINISTRO RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA; Julgado em 20/08/2015”
Por esses motivos, não vemos como se possa desqualificar a convenção condominial, submetendo o interesse individual do condômino/proprietário ao coletivo, numa total, indevida e ilegal inversão de valores e princípios legais e constitucionais, que norteiam o direito de propriedade e a sua aplicação no universo do Condomínio Edilício.
Como a convenção decorre da conjugação de interesses convergentes da maioria qualificada dos proprietários, a ruptura dessa condição certamente trará sérios prejuízos a harmonia e a paz da coletividade, gerando atritos absolutamente desnecessários ao convívio entre vizinhos.
O enfrentamento da questão não pode ter viés ou preferência, pois assim como têm Condomínios que proíbem a permanência de animais, outros tantos os permitem, pelo que não se trata de discutir quem está certo ou errado, mas sim de fazer entender que o direito de propriedade coletivo há de prevalecer sobre o direito de propriedade individual, razão pela qual concluímos pela necessidade de se preservar a validade e higidez das normas aprovadas na convenção condominial.
Alexandre Corrêa
Vice-Presidente Jurídico e de Assuntos Legislativos